3 gibis independentes: Camilo Solano, Lalo Sousa e Luísa Lacombe

Desculpa o Áudio, de Camilo Solano

Após quatro quadrinhos de fôlego, incluindo uma Graphic MSP, Camilo Solano tateia novos caminhos para a carreira. Um deles é investir pra valer na ocupação de músico: desde a pandemia o artista lança singles com regularidade. Por isso, não surpreende a vontade de criar um projeto multimídia do porte de Desculpa o Áudio, que se desdobra em música, videoclipe e HQ. Como o título indica, a obra faz piada com a comodidade dos aplicativos de mensagens. A versão gibi vai mais a fundo no tema, comentando como as conversas e relações pessoais perderam espontaneidade e proximidade, esfriando com o toque gelado da tecnologia. Parece um retorno ao básico, um reencontro do autor consigo mesmo, após tentativas não tão bem sucedidas de passear por diversos gêneros. Beliscão (Pipoca & Nanquim), por exemplo, se limita a ser uma ficção científica cópia carbono de tantas outras, calcada em referências desgastadas. O melhor Camilo é aquele que abraça certa inquietação interior, colocando-se como um protagonista neurótico e verborrágico – da mesma forma que seus heróis Robert Crumb e Harvey Pekar. Ou então quando conta histórias sobre coisas mundanas e humanas (Desengano, Solzinho). Por ser curto e estar ligado a algo maior, não dá pra dizer que Desculpa o Áudio seja um gibizaço. Porém, tem muito mais verdade nessas poucas páginas do que nas outras várias de trabalhos recentes.


E a Boca do Luxo Entra em Campo, Lu Castro e Lalo Sousa

Por quase quarenta anos, o futebol, das mais importantes expressões culturais brasileiras, foi proibido para mulheres. Era lei; quem a descumprisse ia em cana. Somente no final da década de 1970 a prática perdeu a conotação criminal – mesmo assim era considerada ilegal, situação que ainda permaneceu por algum tempo. E o que mulheres apaixonadas pelo esporte faziam para burlar o sistema? A pesquisadora Lu Castro se juntou a Lalo Sousa para imaginarem um torneio envolvendo trabalhadoras de boates no centro de São Paulo, cuja inspiração veio de notícias reais sobre um campeonato semelhante organizado em 1979. A grande sacada de E a Boca do Luxo Entra em Campo é dar bastante espaço para o desenvolvimento das personagens e suas relações pessoais (amizades, rivalidades, invejas), trabalhando subjetivamente a dicotomia entre ter o corpo explorado por outros e poder explorar o próprio corpo como quiser (no caso, jogando bola). O leitor passa a acreditar nessas mulheres e nos conflitos nos quais se metem, muito por conta dos diálogos afiados e das expressões faciais desenhadas por Lalo – o traço sujo e furioso que ela tinha em Queda deu lugar a algo mais depurado e elegante com o passar do tempo. As partidas não são deixadas de lado: toda a intensidade das jogadas no campo também são retratadas, como num bom mangá de esporte. Uma pena, então, que a segunda metade do livro se concentre apenas no jogo derradeiro do torneio. A HQ acaba perdendo o foco por alguns momentos, graças a cenas longas e ação um pouco confusa. Felizmente, isso não mancha o gibi: a parte boa é tão boa que dá pra relevar.


Hipotetizine 5: Esperando Por Você, de Luísa Lacombe 

Adoro quando um fato inusitado vira matéria-prima para obras de arte. Esse é o caso da quinta edição do Hipotetizine, série publicada pela editora Hipotética – atual encarnação da finada Galeria Hipotética, um espaço para exposições localizado em Porto Alegre. Esperando Por Você, de Luísa Lacombe, surgiu a partir de uma thread no Twitter (ou melhor, X), escrita por Fabiano Denardin (editor da Hipotética), sobre o autor misterioso de uma icônica foto do cantor australiano Nick Cave. Tal imagem foi tirada na Mercearia São Pedro, em São Paulo, durante o período em que o astro da música morou no Brasil, nos anos 1990. Luísa quadriniza toda a busca pelo fotógrafo, enquanto narra episódios da vida do líder da banda The Bad Seeds em nosso país e comenta a crescente obsessão dela própria com o cantor. As páginas lotadas de quadros (a maioria com mais de dez) escoam bem uma trama cheia de idas e vindas no espaço e tempo. Mais cedo ou mais tarde, a investigação acaba dando lugar a outra indagação: o poder de um objeto (como uma fotografia) para o despertar de uma torrente de memórias, sentimentos e nostalgia – inclusive para alguém não envolvido diretamente com aquilo. A HQ fala de pessoas longe de nós, que conheceram e viajaram o mundo, mas o estilo cartunesco dos desenhos da autora traz uma sensação de familiaridade a todas elas. É como se fossem vizinhos, amigos ou parentes próximos, de quem temos uma imagem na carteira.

QR

Publicado por

Deixe um comentário